Urubus e Sabiás
Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes
para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar
grandes cantores.
E para isto fundaram escolas e importaram professores,
gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandou imprimir diplomas, e fizeram competições entre
si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para
mandar nos outros.
Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes
pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se
tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência.
Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da hierarquia
dos urubus foi estremecida.
A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos
tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás...
Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa,
e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
— Onde estão os documentos dos seus concursos?
E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam
imaginado que tais coisas houvesse.
Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto
nascera com elas.
E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam
cantar, mas cantavam simplesmente...
— Não, assim não pode ser.
Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os
passarinhos que cantavam sem alvarás...
O texto acima foi extraído do livro "Estórias de quem
gosta de ensinar — O fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São
Paulo, 1995, pág. 81.
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