sábado, 11 de abril de 2009

Desabafo de umTéologo....

Desabafo de um teólogo

SOBRE LEVITAS, APÓSTOLOS E OUTROS MODISMOS: DESABAFO DE UM PROFESSOR DE TEOLOGIA

Carlos Eduardo Calvani

Sou um professor de Teologia em crise.

Não com minha fé ou com minhas convicções, mas com a dificuldade que eu e outros colegas enfrentamos nos últimos anos diante dos novos seminaristas enviados para as faculdades de teologia evangélica.

Tenho trabalhado como Professor em Seminários Evangélicos presbiterianos, batistas, da Assembléia de Deus e interdenominacionais desde 1991 e, tristemente, observa que nunca houve safras tão fracas de vocacionados como nos últimos três anos.

No início de meu ministério docente, recordo-me que os alunos chegavam aos seminários bastante preparados biblicamente, com uma visão teológica razoavelmente ampla, com conhecimentos mínimos de história do cristianismo e com uma sede intelectual muito grande por penetrar no fascinante mundo da teologia cristã.

Ultimamente, porém, aqueles que se matriculam em Seminários refletem a pobreza e mediocridade teológica que tomaram conta de nossas igrejas evangélicas.

Sempre pergunto aos calouros a respeito de suas convicções em relação ao chamado e à vocação.

Pois outro dia, um calouro saiu-se com a brilhante resposta: "não passei em nenhum vestibular e comecei a sentir que Deus impedira meu acesso à universidade a fim de que eu me dedicasse ao ministério".

Trata-se do mais típico caso de "certeza da vocação" adquirida na ignorância.

E, invariavelmente, esses são os alunos que mais transpiram preguiça intelectual.

A grande maioria dos novos vocacionados chega aos Seminários influenciados pelos modismos que grassam no mundo evangélico.

Alguns se autodenominam "levitas". Outros, dizem que estão ali porque são vocacionados a serem "apóstolos". 

Ultimamente qualquer pessoa que canta ou toca algum instrumento na igreja, se autodenomina "levita".

Tento fazê-los compreender que os levitas, na antiga aliança, não apenas cantavam e tocavam instrumentos no Templo, como também cuidavam da higiene e limpeza do altar dos sacrifícios (afinal, muito sangue era derramado várias vezes por dia), além de constituírem até mesmo uma espécie de "força policial" para manter a ordem nas celebrações.

Porém, hoje em dia, para os "novos levitas" basta saber tocar três acordes e fazer algumas coreografias aeróbicas durante o louvor para se sentirem com autoridade até mesmo para mudar a ordem dos cultos.

Outros há, que se auto-intitulam "apóstolos".

Dentro de alguns dias teremos também "anjos", "arcanjos", "querubins" e "serafins".

No dia em que inventarem o ministério de "semi-deus" já não precisaremos mais sequer da Bíblia.

Nunca pensei que fosse escrever isso, pois as pessoas que me conhecem geralmente me chamam de "progressista".

Entretanto, ultimamente, ando é muito conservador.

Na verdade, "saudosista" ou "nostálgico" seriam expressões melhores.

Tenho saudades de um tempo em que havia um encadeamento lógico nos cultos evangélicos, em que os cânticos e hinos estavam distribuídos equilibradamente na ordem do culto.

Atualmente os chamados "momentos de louvor" mais se assemelham a shows ensurdecedores ou de um sentimentalismo meloso. 

Pior: sobrepujam em tempo e importância a centralidade da Palavra e da Ceia nas Igrejas Protestantes.

Muitas pessoas vão à Igreja muito mais por causa do "louvor" do que para ouvir a Palavra que regenera, orienta e exige de nós obediência.

Dias atrás, na semana da Páscoa comentei com um grupo de alunos a respeito da liturgia das "sete palavras da cruz" que seria celebrada em minha Igreja na 6a feira da paixão.

Alguns manifestaram desejo de participar.

Eu os avisei então que se tratava de uma liturgia que dura, em média, uma hora e meia, durante a qual não é cantado nenhum hino (pelo menos na tradição de minha Igreja - Anglicana), mas onde lemos as Escrituras, oramos e meditamos nas sete palavras pronunciadas por Cristo durante a crucificação.

Ao saberem disso, um deles disse: "se não houver música, não há culto".

Creio que, em parte, isso é reflexo da cultura pop, da influência da "Geração MTV", incapaz de perceber que Deus pode ser encontrado também na contemplação, meditação e no silêncio.

Percebo também que alguns colegas pastores de outras igrejas freqüentemente manifestam a sensação de sentirem-se tolhidos e pressionados pelos diversos grupos de louvor.

 O mercado gospel cresceu muito em nosso país e, além de enriquecer os "artistas" e insuflar seus egos, passou a determinar até mesmo a "identidade" das igrejas evangélicas.

Houve tempo em que um presbiteriano ou um batista sabiam dar razão de suas crenças. 

Atualmente, tudo parece estar se diluindo numa massa disforme.

Trata-se da "xuxização" ("todo mundo batendo palma agora... todo mundo tá feliz ? tá feliz!") do mundo evangélico, liderada pelos "levitas" que aprisionam ideologicamente os ministros da Palavra.

O apóstolo Paulo dizia que a Palavra não está aprisionada.

Mas, em nossos dias, os ministros da Palavra, estão - cativos da cultura gospel.

Tenho a impressão de que isso tudo é, em parte, reflexo de um antigo problema: o relacionamento do mundo evangélico com a cultura chamada "secular".

Amedrontados com as muitas opções que o "mundo" oferece, os pais preferem ter os filhos constantemente sob a mira dos olhos aos domingos, ainda que isso implique em modificar a identidade das Igrejas.

E os pastores, reféns que são dos dízimos de onde retiram seus salários, rendem-se às conveniências, no estilo dos sacerdotes do Antigo Testamento.

Um aluno disse-me que, no dia em que os evangélicos tomarem o poder no Brasil acabarão com o carnaval, as "folias de rei", os cinemas, bares, danceterias etc.

Assusta-me o fato de que o desenvolvimento dessa sub-cultura "gospel" torne o mundo evangélico tão guetizado que, se um dia, realmente os evangélicos tomarem o poder na sociedade, venham a desenvolver uma espécie de "Talibã evangélico".

Tal como as estátuas do Buda no Afeganistão, o "Cristo Redentor" estará com os dias contados. 

Esses jovens que passam o dia ouvindo rádios gospel e lendo textos de duvidosa qualidade teológica, de repente vem nos Seminários uma grande oportunidade de ascensão profissional e buscam em massa os seminários.

Nunca houve tanta afluência de jovens nos seminários como nos últimos anos.

Em um seminário em que trabalhei (de outra denominação), os colegas diziam que a Igreja, em breve teria problemas, pois o crescimento da Igreja não era proporcional ao número de jovens que todos os anos saíam dos Seminários como bacharéis em teologia, aptos para o exercício do ministério.

A preocupação dos colegas era: onde colocar todos esses novos pastores?

Na minha ingenuidade, sugeri que seria uma grande oportunidade missionária: enviá-los para iniciarem novas comunidades em zonas rurais e na periferia das cidades.

Foi então que um colega, bastante sábio, retrucou: "Eles não querem. Recusam-se! Querem as Igrejas grandes, já formadas e estabelecidas, sem problemas financeiros".

De fato, percebi que alguns realmente se mostravam decepcionados ao saberem que teriam que começar seu ministério em um lugar pequeno, numa comunidade pobre, fazendo cultos nos lares, cantando às vezes "à capella" e sem o apoio dos amplificadores e mesas-de-som.

Na maioria dos Seminários hoje, os alunos sabem o nome de todas as bandas gospel, mas não sabem quem foi Wesley, Arminio, Lutero ou Calvino

Talvez até já tenham ouvido falar desses nomes, mas são para eles, como que personagens de um passado sem-importância e sobre o qual não vale à pena ler ou estudar.

Talvez por isso eu e outros colegas professores nos sintamos hoje em dia como que "falando para as paredes".

Nem dá gosto mais preparar uma aula decente, pois na maioria das vezes temos sempre que "voltar aos rudimentos da fé" e dar aos vocacionados o leite que não recebem nas Igrejas.

Várias vezes me vi tendo que mudar o rumo das aulas preparadas para falar de assuntos que antes discutíamos nas Escolas Dominicais.

Não sei se isso acontece em todos os Seminários, mas em muitos lugares, o conteúdo e a profundidade dos temas discutidos pouco difere das aulas que ministrávamos na Escola Dominical para neófitos.

Sei que muitos que lerem esse desabafo, não concordarão em nada com o que eu disse.

Mas não é a esses que me dirijo, e sim aos saudosistas como eu, nostálgicos de um tempo em que o cristianismo evangélico no Brasil era realmente referencial de uma religiosidade saudável, equilibrada e madura e em que a Palavra lida e proclamada valia muito mais que o último CD da moda.

De Londrina e Coordenador do Centro de Estudos Anglicanos (CEA).

7 comentários:

  1. Shalom! Pr Daniel, excelente artigo! Infelizmente nossa geração é analfabeta de Bíblia. Estamos como diz a letra de João Alexandre - "pisando na graça, e ressuscitando a lei". Fazemos parte de uma geração que somente quer sentir, e não pensar. É a geração light. Culto light. Oração light. Palavra light. Só um poderoso avivamento pode mudar esta situação. Somente com a restauração da pregação bíblica, cristocentrica, desafiadora é que podemos mudar essa caos que se instalou em muitas igrejas. O Eterno tenha misericórdia destes!

    "Onde a Bíblia não tem voz, não devemos ter ouvidos"

    abraços, Pr Marcello Oliveira

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  2. Prezamado pr. Daniel Acioli,

    A Paz do Senhor!

    Aleluia! Glória a Deus!

    Louvado seja o Senhor por homens que resistem ao mundo. E, por amor a este Nosso Maravilhos e digno Senhor. O nosso Salvador Jesus Cristo.

    O Senhor seja contigo!

    pr. Newton Carpintero
    www.pastornewton.com

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  3. Pastor,

    Não sou pastor, sou homem de marketing. Mas sou temente e tremo ao dizer que estamos vivendo os dias do "jesus-cola"! Estou agora terminando um artigo para o meu blog e adianto para você:

    Quem vende o "evangelho", vende o que não tem. Fora das “aspas” propaga-se loucura! Loucura aos olhos humanos.

    Sendo homem de marketing, muitos anos atrás, quando ainda não tinha casa, ouvi de um pastor de uma igreja que visitei: Bom ter um cara como você aqui, que fez marketing para grandes empresas (Coca-Cola inclusive, risos). Vais dar muitos frutos para a nossa igreja. Eu perguntei: Como? Por conta da experiência com marketing? Sim, claro, respondeu o pastor. Amado, lhe disse, o que eu achei não se vende, apenas se propaga e espera-se pela ação de Espirito de Deus. Se eu fosse contratado para fazer o marketing plan de um “produto” assim, nem começava. Pensa bem: Meu produto é loucura, a entrega do principal é post mortem. Meus clientes potenciais estão todos cegos, surdos, seus corações estão duros (Ef 2.1; 4.18; Cl 2.13). Ainda que pudessem escolher nosso produto, não o fazem, sua vontade não é livre, estão em escravidão à sua escolha pelas coisas de outro “fornecedor” (Rm 7.19,20; 8.5-8; 8.12,13). O preço do produto é impagável: Santo Sangue de Jesus. Não há marketing possível: Preço não se mexe, quem ousa perde tudo. Propaganda, só para loucos, surdos, cegos e ainda promovendo que estes vendam tudo o que tem por uma única perola preciosa. Sim, “produto”: Pérola preciosa vista apenas por poucos e entregue na eternidade. Entre os “P” do Marketing, sobra-nos o “Placement” (ou distribuição). Podemos abrir pontos de entrega - lojas, por assim dizer e esperar que loucos, cegos e mortos nos encontrem. Para assim, esperar em Deus, o único responsável tanto pelo querer como pelo realizar, regenere os clientes e suas vontades levando-os a salvação (At.16.14; Fp 2.12.13; Ef 1.3-6). Ou faz assim, ou muda o produto. O pior é que andam mudando!

    http://genizah-virtual.blogspot.com/

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  4. Pr. Marcello!

    Meu povo erra, por nào conhecer as Escrituras e nem o Poder de Deus!


    "Onde a Bíblia não tem voz, não devemos ter ouvidos"


    Abraços.

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  5. Pr. Newton!


    Creio píamente, que nem tudo está perdido, há milhares de homens que não se dobram diante de baal!

    Oremos!

    Deus te abençoe.

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  6. Ir. Danilo Fernandes.


    Posso usar o tremendo esboço de estudos biblicos postado pelo amado irmão?

    Jesus Cristo é o Senhor e como tal deve ser apresentado!

    Um planta, outro rega, mas o crescimento é Deus que dá!!!

    Deus te abençoe.

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  7. Que bom que este descontentamento com a atual realidade liturgica da igreja esta crescendo, e o desejo de restaurar a centralidade da palavra tomando corpo, desta maneira podemos crer e orar por um grande avivamento que com certeza virá, não pela força das novidades musicais ou a capacidade de controlar as multidões, mas pela força da pregação biblica comprometida com o Reino de Deus.
    Obs. Prof. Calvani foi meu professor no curso de Pós - Graduação na Unifil.

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